Cultura e a razão de Estado
A Identidade do Estado Angolano e o nacionalismo constitucional
João
Pinto*
Colonizar
é a raiz da palavra latina colere que, em português clássico, significa
cultivar. Para os romanos colonizar era cultivar terras vizinhas do império
(romano). O conceito de colere começou a ser entendido como emigração,
descobrimento, conquista, dominação de um povo em termos económicos, políticos
e culturais.
O
objectivo do colonialismo como sistema resulta da subjugação de todo um povo ou
povos de renunciar os seus valores culturais a fim de adoptar os valores do
outro. Com a chegada dos europeus (séc. XV), cuja a instalação se verificou no
séc. XVI (edificação da cidade de Luanda, então S. Paulo de Assunção por Paulo
Dias de Novais), surge o interesse de impor os valores cristãos aos africanos,
como religião/baptismo, nome e vestuário.
Numa
primeira fase há uma relativa colaboração e reconhecimento mútuos com pactos de
amizade (Ukamba) ou vassalagem para os europeus, dando todo apoio aos
obedientes e neófitos.
No Kongo,
Matamba e Ndongo vão surgir as resistências das elites locais. O kongo
vai ter uma influência cultural de europeus aceite pelas cortes com
baptismo de Nzinga Nkuvo e com o regimento de Silveira de 1512. O Ndongo
vai resistir com a dinastia Ngola-a-Mbande, especialmente entre
1575/1671. Com a conquista de Mpungo a Ndongo. Diz-se que a Rainha Jinga,
convertera-se ao cristianismo, tem algo de verdade, mas ela combateu sempre os
portugueses até aos 75 anos de idade. Ao baptizar-se ela cumpria a diplomacia
N´gola ou Ambundo: tunga né wmuijie yfua yê ou conviva com ele para que o
conheças… Mwene Jinga, sempre teve práticas militares, políticas e religiosas
criticadas, como a aceitação das leis “jagas” de N´Temba N´dumba, por Cavazzi e
Cadornega, as suas reclamações constantes da “falta de lealdade” dos
portugueses em raptarem as irmãs Kambo e Fuxi e a execução dos nobres capturados
em guerras, ofendendo toda ética da nobreza. Jinga Mbande morreu aos 17 de
Dezembro de 1663, com mais de oitenta anos e foi acompanhada pelo italiano
Cavazzi de Montecullo, tendo como herdeira a irmã D. Bárbara, esposa de Jinga
Mona que Cardonega tanto refere. Ela aceitou no último momento de sua vida a
unção sacramental e aconselhou os makota ou ministros, conselheiros, em
respeitarem os ditames finais, vide (Cavazzi pag.123 ss.
Há
uma presença constante e interferências dos valores do outro, gerando o choque
versus resistência no âmbito do poder político, com o problema da sucessão
entre sobrinhos e filhos educados à portuguesa. Exploração e subjugação das
elites locais por terem aderido aos valores extra comunitários, gerando
revoltas e denúncias entre então amigos e actuais rebeldes, e consequente
resistências e lutas e deportação ou morte aos derrotados.
O
surgimento de correntes anti-portuguesas por se imiscuírem constantemente na
vida cultural negro-africana, e o acelerar de alianças do Ndongo com outros
conquistadores como holandeses.
As
lutas de ocupação efectivam-se no século XIX com a conferência de Berlim 1884/5
e apresentação do mapa cor de rosa (figura 1) português de Angola a Moçambique
e o Ultimatum inglês de 1890 que exige aos portugueses a actual
configuração dos territórios de Angola e Moçambique e a prova de ocupação leva
à penetração para o interior de Angola (Calvet de Magalhões 2000), ou seja, o
planalto central, mais a sul, vai
começar a efectivar-se nos finais do sec. XIX, dando origem às resistências do
planalto com Mutu ya Kevela, Ndunduma, Mandume, este morto aos 6 de Fevereiro
de 1917 em defesa do seu reino e povo em Namacunde, Kunene.
Com a morte de
Mandume, o Sul vai ser o el dorado “como uma dádiva”, a violação das
mulheres viúvas de notáveis ou descendentes vai ser uma prática para ocupação
efectiva (René Pelessier 1968).
As políticas
coloniais só vão encontrar eco de organização sistemática com o imposto do
indígena através do Diploma Legislativo n.º 237 de 4 de Junho de 1931, o Acto
Colonial e, posteriormente com a categorização dos angolanos entre assimilados
versus indiginas nos termos do decreto 39666 de 20 de Maio de 1954, vigorou
formalmente até 13 de Setembro de 1961 revogado pelo Decreto Lei n.º 43893,
período convencionado como tendo dado inicio a luta armada (4 de Fevereiro) por
parte dos nacionalistas. O massacre da baixa de Kassanje/Malanje no dia 4 de
Janeiro de 1961, resultado de uma exigência de trabalhadores revoltados,
posteriormente os ataques contra fazendeiros de origem europeia e todos que com
eles convivessem, em 15 de Março de 1961. Esses actos foram as armas de combate
que os angolanos utilizaram para fazerem lembrar o regime colonial português
que era anacrónico e tacanho. Foi o grito dos angolanos, embora alguns actos,
na época, fossem vistos como violentos e “terroristas”, mas numa análise
política actual foram as armas de combate utilizadas como última alternativa.
Segundo Duverger, a ditadura lusitana já sabia da nova ordem mundial pós
segunda guerra. A ONU condenava o colonialismo com a resolução 1415 de 15 de
Dezembro 1960.
O nacionalismo
como corrente que procura congregar o conjunto de valores que servem de
referencia identitária de um conjunto sócio/cultural. O nacionalismo procura os elementos
simbólicos de uma comunidade almejando o ideal espiritual como a História,
Arte, Filosofia, Religião e Línguas. O nacionalismo pode extravasar o espaço
territorial e cultural sempre que existam elos comuns supra enunciado.
O nacionalismo
surge sempre numa primeira fase associado à militância política como meio
aglutinador, mas quando se afasta o adversário comum (colonizador ou dominador)
é formalizado juridicamente com aquilo que é juridicamente considerado como
nacionalismo constitucional(Xacobe Bastida 1998:189). Por força da cidadania
fundada na igualdade, afastando deste modo discriminações fundadas na origem
étnica, racial, linguísticas, económica, social e cultural. O nacionalismo
militante termina com o surgimento de leis gerais e abstractas que procuram
proteger todos os filhos da nação jurídico-formal atendendo sempre a
consolidação da unidade nacional através de políticas sociais, económicas,
culturais e educativas de inclusão do cidadão.
O nacionalismo
militante pode ser perigoso e radical, porque, muitas vezes, baseia-se em
critérios emotivos e restritos, gerando excessivas desconfianças em relação aos
moderados ou indiferentes, eis a razão pela qual se deve desenvolver e promover
a liberdade de consciência, igualdade, cidadania ou nacionalidade como
resultado do pluralismo cultural.
A cidadania
resulta da identidade supra enunciada, sem ela perde-se a alma, mas a
identidade de um Estado é o resultado das várias identidades tornadas uma,
várias histórias tornadas uma, várias línguas aglutinadas para servirem de meio
de comunicação, mas optando-se por uma, várias religiões no âmbito da liberdade
de consciência, várias cores ou aspectos somáticos onde releva o valor inerente
a pessoa, onde a cultura é a alma de todos, exterioriza o estar e o sentir. Eis
a razão da identidade constante no B. I. Angolano consignado na Lei 17/96 de 8
Novembro, que prevê o nome, filhação, idade, cor, raça1 assinatura e as
impressões, ou seja, o Homem tem uma identidade. O Estado é o resultado das
várias identidades, não se deve perder a história ou o ser e estar de cada um
sob pena de alienação ou tornar-se outro. Mas as diferenças naturais e sociais
devem garantir a dignidade da pessoa humana, segundo Locke, deve respeitar-se a
dignidade da pessoa humana enquanto tal e qualquer discriminação arbitrária
deve ser punida, mas a igualdade não implica uniformidade, o que importa é que
se diga quem é o pai ou mãe onde nasceu e você (eye nê, watunda pi?, Kimbundo e
Umbundo respectivamente). Quem somos e para onde vamos é a razão da verdade
histórica, o Direito pauta comportamentos para se evitar arbitrariedade, vide
artigos 2.º 18.º, 19.º e 45.º da LC e artigos 2.º e 3.º da Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos ou «Carta de Banjul», aprovada pela Resolução n.º
1/91 de 19 de Janeiro, da Assembleia do Povo; 7.º ,15.º 18.º DUDH.
A igualdade
entre os angolanos deve ser o timbre da angolanidade, mas a etnicidade resulta
de categorização etnónima que não podemos fugir, desde que não se utilize para
fomentar o racismo, tribalismo ou discriminações sociais ou culturais,
económicas quer sejam por acção, quer por omissão. Ser angolano é valorar a
história dos reinos bantu e não bantu aqui encontrados, bem como a herança
colonial que deu origem ao multicultarismo.
Não podemos
rejeitar a nossa herança identitária seja qual for a cor, religião, local de
nascimento, convicção política ou filosófica. As minorias, sejam quais forem,
devem ser protegidas no sentido de solidariedade e respeitarem a identidade de
Angola. Pois, o natural
deste País foi vendido primeiro como escravo e depois discriminado por nascer
na província ou no ultramar, “é de cor, negro, branco de segunda, mulato,
cabrito é africano, é assimilado, é indigina, é perguiçoso (preguisoço)”
é o angolano que come funji, pirão, Kikwuanga, funbua, jinginga, calulu,
cozido.
Dança kizomba, semba, tarrachinha, “kuduro” em
London, New York, Lisbon, S. Paulo, Luanda, Malanje, Huambo, Kunene, Tômbua,
Kabinda, N´banza Kongo, Wije, Kaxitu, Katete, Massangano, Kuvangu, Mwila,
Lwena, Lunda é o Angolano ou mwangolê resulta destas histórias tornadas uma,
mas que não se pode negar porque existe… A Nação, sociologicamente,
resulta da “etnicidade” que por sua vez tem uma relação estreita com as
línguas, religiões, histórias, mas sem prejuízo da igualdade jurídica para a
construção da nação política, soberania ou Estado, evitando potenciais
discriminações ou afastamento ao acesso das prorrogativas da cidadania nacional
seja ela qual for, (artigos 18º da LC, 1º da DUDH, 1º da Convenção Universal
Contra todas formas de discriminação racial e 3º da Carta Africana dos Direitos
do Homem e dos Povos2).